Dessa vez, preferimos observar como essa data comemorativa se porta comercialmente
A verdade é que, antes de criarmos uma campanha ou ação para nossos clientes, discutimos juntos qual é o propósito da ideia para a marca e como ela poderia impactar o público que a recebesse. Por isso, neste ano, nossa programação para o Dia da Mulher foi outra: nós queríamos, antes de mais nada, observar como a comunicação e o mercado estão se comportando em mais um 8 de março.
Antes de entender o ponto de vista da comunicação, vamos falar brevemente sobre o porquê desta data.
Como surgiu o Dia Internacional da Mulher?
Talvez você já tenha ouvido falar que a data surgiu por conta de um incêndio em uma fábrica nos Estados Unidos em que mais de cem operárias foram mortas. O trágico incêndio de fato existiu, em 1957, mas ligá-lo ao dia da mulher é um dos mitos que cercam a data.
A história, entretanto, nos apresenta fatos anteriores que explicam como chegamos até aqui. Em 1910, durante a II Conferência Internacional das Mulheres em Copenhague, na Dinamarca, a feminista alemã Clara Zetkin sugeriu que trabalhadoras de todos os países organizassem um dia de luta para promover o voto feminino. Já em 1917, as trabalhadoras russas soviéticas saíram às ruas em 8 de março, para lutar pelo fim da monarquia e pelo fim da participação da Rússia na I Guerra Mundial. Esse período foi referenciado mais tarde, em 1921, na Conferência Internacional das Mulheres Comunistas, quando o dia 8 de março foi aceito como dia oficial de lutas. Por fim, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu a data em 1975.
Ou seja, a data está intrinsecamente ligada à luta das mulheres trabalhadoras, de diferentes lugares, por direitos de votar, pelo direito das mulheres mães, por condições humanas de trabalho, entre outras pautas. Vale aqui lembrar que, quando falamos sobre a luta das mulheres, temos que considerar os femininos, plurais, distintos, de mulheres diferentes, de contextos diferentes. A interseccionalidade, que se preocupa com as relações entre diferentes marcadores sociais, é fundamental por conta disso. Só que não é objetivo deste post falar sobre um assunto tão complexo. Para nós, basta entender que esta data surgiu como um chamado à luta.
O pessoal do Vogau, um studio de design de Florianópolis (SC), inclusive, sugeriu um renaming (nome pomposo para mudança de nome) para a data. O Dia Internacional da Mulher passaria a ser chamado de Dia da Luta pelos Direitos da Mulher. O que você acha da ideia?
A transição de uma data com cunho político para comercial
Em alguns países, o 8 de março é um dia para protestos promovidos pelas mulheres, em outros chega até a ser feriado nacional. Na China, por exemplo, as mulheres podem trabalhar por meio período.
Em consequência dessas celebrações, as pessoas iniciaram um movimento para homenagear as mulheres que estão em seus círculos sociais. Para isso, compravam flores, chocolates e outros presentes simbólicos. Nem só pelos presentes, entretanto, o dia tornou-se comercial. Da mesma forma que tantas outras datas, ela acabou entrando para o calendário do marketing como uma oportunidade de venda, algo que motivasse as mensagens com um argumento diferente do “compre meu produto/serviço” a que já estamos acostumados. Associar marcas, campanhas e promoções a essas datas passou a ser feito de maneira automática. É um exemplo do maria-vai-com-as-outras da comunicação. Se todos falam sobre essa data, minha empresa também precisa falar dela, certo?
Errado. E vamos dizer o porquê.
Como o Dia da Mulher vem sendo usado comercialmente?
O mercado de varejo trabalha especialmente com descontos. O preço, entretanto, não costuma ser um diferencial potente, já que, com a concorrência, o consumidor tem mais possibilidades de encontrar um preço mais baixo. Aí entram as datas comemorativas, que serão usadas como um gatilho para anunciar o desconto.
O Dia da Mulher mais lembra a Black Friday de março: um estopim para os mais variados descontos no mês da mulher.
Outras marcas acabam investindo no cupom voltado ao público-alvo da data. Aqui, é claro, as mulheres recebem todo tipo de desconto como motivador de vendas. Os mesmos 10 ou 20% off que podem chegar por meio de um remarketing (se você entra em uma loja on-line, coloca o produto no carrinho e desiste da compra, mais que prontamente você acaba ganhando um cupom de desconto no e-mail para retornar ao carrinho e efetuar a compra) acabam sendo motivados pelo dia em específico.
Há ainda a ferramenta do produto personalizado, como um brinde temático ou um produto elegível para sorteio realizado com motivação da data, cujo objetivo passa a ser aumentar o número de seguidores e o engajamento de uma marca nas redes sociais. Os brindes, que muitas vezes são um bom apelo ao público das lojas físicas, funcionam como ferramenta de relacionamento com o consumidor, mas podem acabar por reforçar estereótipos ou não fazendo uma ligação direta entre o consumidor e aquela marca. Só que esse é assunto para outro post.
Por último, e talvez o mais problemático dos usos, é aquele que não encontra justificativa em uma estratégia comercial e que não possui nenhuma ligação com o significado da data e com a marca em si. São as publicações vazias de “Feliz dia da mulher”. E aí algumas marcas acabam caindo na malha do cancelamento.


Um exemplo é o da influencer @dudareisb com a marca de cosméticos Beyoung. Na noite deste domingo (7), a marca publicou um vídeo de Duda em que ela diz: “Ser mulher é muito difícil, por isso que estou aqui, porque vim mostrar para vocês os meus primers favoritos”. A ação pegou mal, e quem a viu relatou ter sentido os problemas femininos serem diminuídos a um cosmético. O vídeo já foi excluído e a influencer disse em suas redes sociais que ele foi editado. Você pode conferir o vídeo e a retratação de Duda no post da Revista Quem. Recentemente, Duda Reis trouxe a público os abusos que sofria em seu último relacionamento com o cantor Nego do Borel.


O golpe da data comemorativa tá aí, mas é possível usá-la de forma positiva para a marca?
A resposta é sim! E um bom exemplo é o da rede de lojas Magazine Luiza, já muito conhecida por ações em prol das mulheres tanto dentro quanto fora da empresa. Dessa vez, a rede fez uma thread no Twitter usando a #NemLoucaNemSozinha para promover uma funcionalidade do aplicativo da empresa em que mulheres que sofrem violência psicológica podem receber apoio. Quem já fez compras com a loja, também recebeu uma mensagem pelo WhatsApp da Magalu. Clique para conferir.


O que esperamos ver no Dia das Mulheres (ou em outras datas comemorativas)?
Do ponto de vista estratégico, queremos, no mínimo, mais coerência entre a mensagem e a ação das empresas. Trabalhar com gestão de marcas é saber que o velho ditado “faça o que digo e não o que faço” não se aplica. Quando sua marca decide levantar alguma bandeira, ela assume também compromissos com relação à causa.
Assumir um compromisso significa alinhar a empresa como um todo, antes de chegar à mensagem publicada nas redes sociais. Todo o seu ecossistema é responsável por aplicar o que se promete. E sim, isso inclui a escolha dos seus fornecedores e os cuidados que eles têm com os funcionários deles, por exemplo.
Antes de decidir se uma marca deve ou não utilizar uma data comemorativa na comunicação, há uma série de perguntas a serem respondidas. E já que nossa reflexão vem justamente após o Dia da Mulher, as perguntas são as seguintes:
- Faz sentido minha marca falar sobre mulheres? Que posições as mulheres ocupam na minha empresa?
- Há ações voltadas à melhoria das condições das mulheres na empresa? O que é feito para melhorar as condições de trabalho para elas? Os salários delas são equivalentes aos mesmos cargos ocupados por homens?
- A publicação que você vai fazer traz que tipo de mensagem? Reforça estereótipos ou propõe uma reflexão sobre a data?
- Qual é o seu objetivo com a publicação? É dar visibilidade para o tema e se comprometer com a causa ou apenas “não deixar a data passar em branco”?
- As mulheres são representadas em outras publicações dessa marca ou apenas no dia da mulher ou em outra data relacionada, como dia das mães?
A pergunta agora vai às mulheres: o que você sente a cada postagem sobre a data?
Por fim, esperamos que cada vez menos essa data seja usada para fins comerciais e que se entenda que, no dia 8 de março, nós não queremos posts bonitos em redes sociais ou ações vagas. Esperamos cada vez mais por discussões entre mulheres e para mulheres sobre os lugares que ocupamos ou em que gostaríamos de estar, e reflexões acerca do que nos impede de ocupar esses espaços. Essa foi a reflexão, por exemplo, da live realizada pelo curso de Publicidade e Propaganda do Centro Universitário FAG de Toledo, que contou com a presença da nossa luchadora Ju Brita. A discussão na íntegra está disponível neste vídeo.
E lembre-se: você não precisa – e nem deve -, se pronunciar, se comprometer ou ter opinião sobre todos os assuntos do mundo. Se você não sabe o que e quando postar, significa que suas estratégias de marca e de conteúdo não estão devidamente alinhadas. “Conhece-te a ti mesmo” é a maior dica que podemos deixar aqui. Se estiver com dificuldade, procure ajuda para isso.
Como a Libre faz
Na Libre, incentivamos todos os clientes a refletir sobre cada uma das datas ditas comemorativas e associamos as escolhas do que publicar ou de que ação fazer à estratégia da marca. Se não faz sentido com a empresa, desaconselhamos ações vazias. Falar especificamente sobre o Dia da Mulher, para nós, é importante por termos uma agência em que a maioria da equipe é formada por mulheres (somos em 5 num total de 8 pessoas) e em que a sociedade é formada por um homem e duas mulheres. A data é oportunidade, então, para tratarmos de dois temas que nos são fundamentais: estratégia de marca e conteúdo e a condição da mulher na sociedade.
Mais nós
A rede está repleta de reflexões sobre o Dia Internacional da Mulher. Se quiser saber mais sobre o tema, navegue por aí:

