Tormenta que a indústria cinematográfica passa no País tem raízes elitistas e preconceituosas
Ao decidirmos abordar o cinema brasileiro, surgiu a dúvida sobre como estava a relação entre ele e os espectadores. Logo, encontramos informações que nos fizeram refletir a sétima arte no Brasil e decidimos compartilhá-la com você.
Antes de tudo, a primeira informação a se saber é que em 19 de junho é comemorado o Dia do Cinema Brasileiro, em lembrança à data das primeiras imagens em movimento feitas por Afonso Segreto, em 1898.
Dez anos atrás
Em 2010, 54% da população brasileira nunca tinha ido ao cinema, segundo os dados do SIPS (Sistema de Indicadores de Percepção Social) divulgados pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Na época, especialistas de diversas áreas apontavam que a pequena parcela de brasileiros que marcavam presença nas salas de exibição era explicada pelo seguinte fator: ir ao cinema era um entretenimento de elite. Segundo eles, os ingressos tinham preços elevados e, somados à pipoca e ao refrigerante, o lazer saia muito caro para uma família de quatro pessoas, por exemplo.
Logo, entendemos que isso não significava que os brasileiros não gostavam de cinema, mas que não tinham condições para frequentá-lo. Por isso, não se importavam em esperar que as produções entrassem “em cartaz” nos canais de tevê aberta, mesmo que fossem dois anos, ou mais, após o lançamento nos cinemas. Os mais impacientes recorriam à pirataria, seja comprando um DVD ou baixando em algum site, geralmente com o filme gravado da tela do cinema com imagem e som ruins.
Uma década depois: algo mudou?
Frequentar salas de exibição continua sendo caro e seletivo para uma família brasileira, principalmente quando falamos de produções nacionais. Mesmo para quem tem capital para este lazer, ir ao cinema, esporadicamente, tem se tornado sinônimo de assistir a lançamentos de grandes produções norte-americanas.
Aliás, hoje, a pirataria não é mais o maior concorrente do cinema, e sim, os streamings.
A Netflix, um dos streamings mais conhecidos e citados no mundo, trouxe um novo hábito de consumo: um catálogo extenso de filmes e séries produzidos nos mais variados países e disponíveis a qualquer hora por menos de R$ 25 por mês (plano básico oferecido pela empresa). Ah, quase esquecemos de citar: 100% personalizado segundo a tendência de consumo de cada usuário.
Mesmo sem a qualidade das produções e exibição das salas de cinema, a infinidade de streamings existentes hoje permite que quase todas as classes tenham acesso à sétima arte, somando à já problemática ida ao cinema pelos brasileiros. Isso é demonstrado na pesquisa divulgada em 2019 pela Toluna, empresa especializada em hábitos de consumo: “9 em cada 10 pessoas no país utilizam algum tipo de serviço de vídeo sob demanda no dia a dia”.
O streaming vai acabar com o cinema?
Não. Acreditamos que há público para os dois produtos.
Assinar um streaming é garantir que todo o seu tempo livre terá um entretenimento disponível, seja com um catálogo de áudio, como Spotify; de livros, como Kindle Unlimited; ou de séries e filmes, como Netflix, HBO Go e tantos outros.
Pensando neste último, muitas produções têm sido feitas para estrearem diretamente neles, mas grandes títulos vão continuar tendo pré-estreias e passando por uma temporada no cinema. E justamente por serem grandes títulos, os streamings estão se organizando para comprá-los mais rápido, como foi com “Vingadores: Ultimato”, que, oito meses após o lançamento nos cinemas, entrou para o catálogo de filmes da Amazon Prime.
“Ah, mas oito meses é muito tempo”
Justamente. A tendência é que ir ao cinema vai se tornar cada vez mais um momento muito especial e de exaltação de um título que tenha um ponto de que a pessoa goste muito. Por exemplo, uma franquia, um personagem, um diretor, um ator preferido. Quem quer muito ver um título, não vai esperar todo este tempo e irá ao cinema, mesmo assinando alguma plataforma de streaming.
Ver um filme nos cinemas será um momento mágico para guardar na memória, como era antigamente…
O jeitinho brasileiro de ver filmes
Segundo as informações divulgadas pela Ancine (Agência Nacional do Cinema), em 2019, o cenário do cinema no País foi de recordes e fracassos. A arrecadação de 2,4 bilhões de reais em 2018 aumentou 13% em 2019, subindo para R$ 2,7 bilhões e tornando-se a maior arrecadação dos últimos 17 anos.
O preço médio do ingresso subiu 5,63%, de R$ 14,23, em 2018, para R$ 15,02 no ano passado. Mas, ainda assim, a bilheteria de 2019 é a quarta maior dos últimos anos (respectivamente, em ordem decrescente, 2017, 2016 e 2015).
Já os espectadores de filmes nacionais caíram de 22,9 milhões em 2018 para 22,6 milhões no ano passado. Do número total de pessoas que entraram em uma sala de cinema, somente 13% assistiram à uma produção brasileira, o que representa 11,5% das vendas de ingresso no Brasil. Nessa mesma linha, em 2018, 367 filmes de produção brasileira estrearam nos cinemas, enquanto em 2019 o número caiu para 327.
Em entrevista ao G1, o fundador da Filme B, empresa que faz análises da indústria cinematográfica no Brasil, Paulo Sérgio Almeida, explicou que os bons números de arrecadação e bilheteria de 2019 são consequência do “[…] aumento do número de salas de cinema (até dezembro, a Ancine registrou 3201) e de uma safra lucrativa da Disney”.
O veículo ainda listou os sete campeões de público em 2019:
“‘Vingadores: Ultimato’ – 19,2 milhões
‘O rei leão’ – 15,9 milhões
‘Coringa’ – 9,4 milhões
‘Capitã Marvel’ – 8,8 milhões
‘Toy story 4’ – 7,8 milhões
‘Homem-aranha longe de casa’ – 6,4 milhões
‘Malévola: Dona do mal’ – 5,6 milhões”.
O descrédito das produções brasileiras
Infelizmente, as produções nacionais sofrem com o preconceito antes mesmo de serem vistas pela população, e, por isso, boicotadas, em alguns casos. Olhando este post do G1, encontramos os seguintes comentários.
Fonte das imagens: G1. Acesso em: 22/06/2020.
O maior problema das produções brasileiras e o que torna impossível fazer um filme nacional que se iguale a “Vingadores: Ultimato” (que custou 400 milhões de dólares), como comentado por um usuário, é a verba. Os filmes brasileiros custam somente alguns poucos milhões (quando tudo isso) e, por isso, as histórias precisam se adaptar ao orçamento. Salvo alguns casos de grandes produtoras que têm orçamento e conseguem fazer muitos filmes, mas que não agradam a grande maioria porque os filmes parecem novelas.
Estados Unidos, Canadá, Austrália, Inglaterra e outros países oferecem incentivos financeiros do governo para que produções sejam rodadas em suas terras, uma vez que parte dos lucros diretos voltam aos cofres públicos. E, também, indiretamente por meio de impostos, já que a economia vai girar com os empregos gerados, as locações e alimentação e hospedagem para toda a equipe.
Em uma simples análise, entenda o que ocorre quando um filme recebe incentivos do governo:
- incentivo do governo = maior poder de produção (roteiro, direção, qualidade de som e imagem, atores, edição, efeitos especiais, etc.);
- muitas pessoas envolvidas na produção = geração de empregos e giro da economia local;
- campanha de marketing maior = frisson do público e buzz;
- título comprado por muitos países = grandes bilheterias e arrecadação, retorno direto de investimentos a quem ajudou a bancar o filme, incentivo ao turismo para visitar os locais de gravação e crescimento nas vendas de produtos licenciados.
Resumindo, economia ativa no país em que a gravação foi feita por meio de lucro direto e por meio de impostos gerados com itens que se relacionam com a produção.
Os incentivos financeiros do governo brasileiro
No Brasil, temos o Fundo Setorial do Audiovisual e a Lei Rouanet, esta que em teoria funciona da mesma maneira que os incentivos financeiros de outros países: uma parte dos lucros volta ao governo, direta e indiretamente. Logo, se o filme tiver uma boa bilheteria, é bom para o Brasil.
A questão é que, ao invés de o governo explicar o funcionamento da lei (clique aqui para saber como ela funciona), algumas figuras políticas a tem colocado contra a população, incentivando o boicote. Eles costumam disseminar que as produções com auxílio da lei tiram o dinheiro da sociedade e que a arte é aproveitadora da verba pública, prestando um serviço contrário a população.
As pessoas que costumam generalizar as produções brasileiras como ruins, na maioria dos casos, não assistem a nenhum filme nacional fora do star system da comédia regional. Logo, como dizer que o filme é ruim sem nunca ter visto? A maioria dessas pessoas não sabem que parte do cinema brasileiro é bem visto e, inclusive, premiado fora daqui.
Para se encaixar nos orçamentos, o cinema brasileiro tem apostado em artes que promovam o bem social, retratando um país em transformação. Isso gera debates entre a nossa sociedade sobre a relevância das produções brasileiras, uma vez que, em muitos casos, eles dizem muito sobre nós, e, geralmente, é difícil aceitar quem somos e a nossa própria realidade.